domingo, 31 de julho de 2011

Mãe Executiva

- Acampar? De jeito nenhum! Você só tem 7 anos.
- Tenho 15, mãe!
- Mas já?! Não é possível! Tem certeza?
- Absoluta. É que nos meus últimos aniversários você estava trabalhando e esqueceu de ir.
- Esqueci, não. É que caíram em dia de semana. Se tivessem feito como eu sugeri...
- Você sugeriu que mudassem o dia do meu aniversário para o primeiro domingo de maio.
- Exato. Domingo eu nunca trabalho.
- Papai contou que vocês se casaram num domingo e você trabalhou durante a cerimônia.
- Eu só assinei uns documentos enquanto o padre falava. Ele nem percebeu.
- E em vez do vovô... Você entrou na igreja de braço dado com o contador!
- Claro! O balanço da firma era para o dia seguinte!
- E a lua-de-mel...
- Tá. Eu não fui. Mas mandei o boy do escritório me representando. Seu pai no começo resistiu, mas acabou aceitando.
- E quando eu nasci? Qual é a desculpa?
- Desculpa por quê? Você nasceu como qualquer criança.
- Nasci numa mesa de reuniões!
- Era numa reunião de diretoria! Não podia sair assim, só porque a bolsa estourou. E você devia se orgulhar! Foi o presidente de uma grande multinacional que fez teu parto.
- Já sei. E a secretária cortou meu cordão umbilical com o clipe. Não brinca. Fiquei traumatizado.
- Eu fiquei. Você nasceu em cima de uma papelada importante. Quase perdi o emprego...
- E quando você foi me pegar na escola pela primeira vez? A vergonha que eu passei...
- Eu só estava com medo de não te reconhecer... Não te via fazia um tempinho...
- Tive que segurar um cartaz, que nem parente desconhecido em aeroporto, escrito "Eu sou o Thiago".
- Thiago? Foi esse o nome que eu te dei?
- Que a moça do cartório me deu! Quando completei 8 anos e consegui ir sozinho a um tabelião. Fiquei sem nome durante oito anos! Oito anos sendo chamado de pssit!!
- Pssit? Até que não é feio!
- Tudo por causa dessa porcaria do teu trabalho! Faz uma coisa. Pra provar que você quer mudar, vem acampar comigo.
- Por que nós não acampamos lá no meu escritório? Do lado do fax tem um espação. E umas samambaias artificiais. Posso contratar algum estagiário para ficar coaxando pra gente.
- Pára de brincar. Larga tudo e vem comigo.
- Bom, se você tá insistindo tanto, eu... Então tá.
Eu... Tudo bem, eu vou.
- Jura? Ótimo! Você vai adorar!
- Ah, difícil pensar em programa melhor. Aquelas árvores, aqueles macacos guinchando, aquelas aranhas bacanas.
- Então está tudo certo.
- Só preciso saber assim, de um detalhe. A respeito do mato. Uma besteira.
- O quê? Se no mato tem mosquito? Se tem cobra?
- Não. Se no mato tem tomada.

sexta-feira, 29 de julho de 2011

Estrelas Em Greve!


Quase todas as noites o universo nos oferece um belo espetáculo. As estrelas cintilam no céu e a lua aparece em suas diferentes fases.

Só que os homens cochilam no sofá ou assistem futebol.
As mulheres assistem novela. As crianças ficam brincando com os computadores.
Sem platéia para assistir este lindo espetáculo as estrelas decidiram entrar em greve por tempo indeterminado.
A lua solidária com as amigas, aderiu ao protesto e também se escondeu.
Foi um fuzuê no mundo inteiro.
As galinhas que dormiam com a estrela-dalva, perderam o sono e deixaram de botar ovos.
As corujas pararam de piar.
Os grilos silenciaram.
Os anjos da guarda que desciam à noitinha para ninar as crianças, perdiam-se no caminho.
Os poetas caíram em desânimo e a produção de poesia imediatamente cessou.
Os agricultores ignoravam se era ou não época certa para semear.
As marés, desorientadas, subiam e desciam à deriva.
Então os homens descobriram que aquilo tinha a ver com o sumiço das estrelas.
Chamaram os melhores astrônomos, mas eles não souberam explicar o ocorrido.
Convocaram as bruxas para resolver o assunto, elas fizeram lá suas mandingas, mas não adiantou nada.A coisa estava realmente preta.
Até que , numa noite, um homem saiu de casa e se pôs a contemplar o céu na escuridão.
Recordou das histórias de lua cheia , quando aparecia o lobisomem.
Outro homem lembrou que uma nascera uma verruga no dedo porque, quando garoto, apontara para as Três-Marias.
Apareceu uma mulher e comentou que só cortava o cabelo na Lua minguante.
Outra mulher falou que , havia alguns anos , vira uma estrela cadente e fizera um pedido, que depois se realizou.
Aos poucos as pessoas foram saindo de casa e cada um tinha sua história para contar sobre a Lua e as estrelas.
Quando todos estavam na rua olhando o céu vazio, as estrelas , que observavam do fundo da noite, apareceram de surpresa, acendendo-se ao mesmo tempo.
Foi lindo: parecia uma chuva de gotas prateadas. Em seguida despontou a Lua, com seu brilho magnífico de Lua Cheia.
Aí todos entenderam o motivo daquela greve.
E, imediatamente, decidiram em consenso:
Podiam ver televisão, dormir no sofá e brincar nos computadores todas as noites.
Mas, de vez em quando, iriam dar uma espiadinha no céu pra ver o show das estrelas.
“Você também tem uma estrela que brilha todos os dias só pra você”. Basta olhar para o céu que irá encontrá-la.
“O tempo passou e nossa história terminou”


Conto de João A. Carrascoza

quarta-feira, 27 de julho de 2011

A Lenda do Arlequim


Era uma vez, uma Condessa muito rica, que vivia no seu lindo e grandioso palácio. Todos os anos, a Condessa organizava um grande baile.
Ela convidava todos os rapazes e moças da cidade. A condessa só fazia uma exigência aos convidados: tinham que se apresentar mascarados. E durante a festa, era sempre premiado aquele ou aquela que melhor se apresentasse.
Então, em todas as casas de Veneza, as mães esforçavam-se para fazer os melhores trajes para os seus filhos. Só o Arlequim não iria ao baile, porque a sua mãe não tinha dinheiro para lhe fazer um traje.
Os amigos do Arlequim vendo-o tão triste resolveram dar-lhe os restos de tecido que tinham. Então, a mãe do Arlequim conseguiu fazer uma roupa, cortando os bocados de tecido em losangos.
Assim, o jovem Arlequim pôde entrar no palácio da Condessa com o seu lindo traje. E conta a lenda que foi precisamente o Arlequim quem nesse ano ganhou o prêmio por se ter apresentado com o traje mais vistoso e mais original.
E quando a Condessa lhe perguntou como é que tinha arranjado tão lindo traje, ele respondeu que a sua roupa tinha sido feito com a bondade dos seus amigos e o coração da sua mãe.
A Condessa apaixonou-se pelo Arlequim e dita a lenda que se casaram e... viveram felizes para sempre!!!!!!

segunda-feira, 25 de julho de 2011

A Falsa Avó!

Uma dona de casa tinha de peneirar a farinha. Mandou sua menina para a casa da avó, para que ela lhe emprestasse a peneira. A menina preparou o cestinho com a merenda: roscas e pão feito com óleo; e se pôs a caminho.
         - Rio Jordão, me deixa passar?
         - Sim, se me der suas roscas.
         O rio Jordão era louco por roscas e se divertia com elas, fazendo-as girar em seus redemoinhos.
A menina chegou à Porta Gradeada.
- Porta gradeada, me deixa passar?
- Sim, se você me der o pão feito com óleo.
A Porta Gradeada era louca por pão com óleo, pois tinha as dobradiças enferrujadas, e o pão feito com óleo as untava.
         A menina deu o pão com óleo à porta, e a porta se abriu e a deixou passar.
Chegou à casa da avó, mas a porta estava fechada.
- Vovó, vovó, abra para mim.
- Estou de cama, doente. Entre pela janela.
- Não alcanço.
         - Entre pela gateira.
         - Não passo
         - Então espere.
         - Jogou uma corda e a puxou pela janela.
O aposento estava escuro. Quem estava na cama era a Ogra, não a avó, pois a avó fora devorada inteirinha pela Ogra, da cabeça aos pés, menos os dentes, que pusera para cozinhar numa panelinha, e as orelhas, que pusera para fritar numa frigideira.
- Vovó, mamãe quer a peneira.
- Agora é tarde. Amanhã vou entregá-la para você. Venha para a cama.
- Vovó, estou com fome, primeiro quero comer.
         - Coma os feijões que estão cozinhando na panelinha.
Na panelinha estavam os dentes.
A menina mexeu com a colher e disse:
- Vovó, estão muito duros.
- Então coma as fritadas que estão na frigideira.
Na frigideira estavam as orelhas. A menina tocou nelas com o garfo e disse:
- Vovó, não estão crocantes.
         - Então venha para a cama. Comerá amanhã.
A menina subiu na cama, perto da avó. Tocou numa de suas mãos e disse:
- Por que tem as mão tão peludas, vovó?
         - Por causa dos muitos anéis que usava nos dedos.
Tocou em seu peito.
         - Por que tem o peito tão peludo, vovó?
- Por causa do monte de colares que usava no pescoço.
Tocou em seus quadris.
- Por que tem os quadris tão peludos, vovó?
- Porque usava um espartilho muito apertado.
Tocou em sua cauda e pensou que, com ou sem pêlos, a avó jamais tivera um rabo.
Aquela devia ser a Ogra e não sua avó. Então disse:
- Vovó, não consigo dormir se antes não fizer uma necessidade.
- A avó disse:
- Vá fazer na estrebaria, faço você descer pelo alçapão e depois volto a puxá-la.
Amarrou-a com a corda e a baixou na estrebaria. Assim que se viu no chão, a menina se desamarrou e amarrou uma cabra na corda.
- Terminou? disse a avó.
- Espere um momentinho. Acabou de amarrar a cabra.
- Pronto, terminei, pode me puxar.
A Ogra puxa, puxa, e a menina começa a gritar:
- Ogra peluda! Ogra peluda!
Abre a estrebaria e foge. A Ogra puxa e aparece a cabra. Pula da cama e corre atrás da menina.
Na Porta Gradeada, a Ogra gritou de longe:
- Porta Gradeada, não a deixe passar!
Mas a porta gradeada disse:
- Claro que a deixo passar, pois me deu pão com óleo.
No rio Jordão, a Ogra gritou:
- Rio Jordão, não a deixe passar!
Mas o rio Jordão disse:
- Claro que a deixo passar, pois me deu roscas.
Quando a Ogra quis passar, o rio Jordão não baixou suas águas e a Ogra foi arrastada. Na margem, a menina fazia caretas para ela.

Fábulas Italianas - Italo Calvino

sábado, 23 de julho de 2011

Guilherme Augusto Araujo Fernandes

Era uma vez um menino chamado Guilherme Augusto Araujo Fernandes e ele nem era tão velho assim.
Sua casa era ao lado de um asilo de velho e ele conhecia todo mundo que vivia lá. Ele gostava da Sra. Silvano que tocava piano.Ele ouvia as histórias arrepiantes que lhe contava o Sr. Cervantes.Ele brincava com o Sr. Valdemar que adorava remar.Ajudava a Sra. Mandala que andava com uma bengala. E admirava o Sr. Possante que tinha voz de gigante.
Mas a pessoa que ele mais gostava era a Sra. Antonia Maria Dinis Cordeiro, porque ela também tinha quatro nomes, como ele.
Ele a chamava de Dna. Antonia e contava-lhe todos os seus segredos.
Um dia, Guilherme Augusto escutou sua mãe e seu pai conversando sobre Dna. Antonia.
- Coitada da velhinha - disse sua mãe.
- Por que ela é coitada? - perguntou Guilherme Augusto.
- Porque ela perdeu a memória - respondeu seu pai.
- Também, não é para menos - disse sua mãe.
- Afinal, ela já tem noventa e seis anos.
- O que é uma memória? - perguntou Guilherme Augusto. Ele vivia fazendo perguntas.
- É algo de que você se lembre - respondeu o pai.
Mas Guilherme Augusto queria saber mais; então, ele procurou a Sra. Silvano que tocava piano.
- O que é uma memória? - perguntou.
- Algo quente, meu filho, algo quente.
Ele procurou o Sr. Cervantes que lhe contava histórias arrepiantes.
- O que é uma memória? - perguntou.
- Algo bem antigo, meu caro, algo bem antigo.
Ele procurou o Sr. Valdemar que adorava remar.
- O que é uma memória? - perguntou.
- Algo que faz chorar, meu menino, algo que faz chorar.
Ele procurou a Sra. Mandala que andava com uma bengala.
- O que é uma memória? - perguntou.
- Algo que o faz rir, meu querido, algo que o faz rir.
Ele procurou o Sr. Possante que tinha voz de gigante.
- O que é uma memória? - perguntou.
- Algo que vale ouro, meu jovem, algo que vale ouro.
Então, Guilherme Augusto voltou para casa, para procurar memórias para Dna. Antonia, ja que ela havia perdido as suas.
Ele procurou uma antiga caixa de sapato cheia de conchas, guardadas há muito tempo, e colocou-as com cuidado numa cesta.Ele achou uma marionete, que sempre fizera todo mundo rir, e colocou-a na cesta também.
Ele lembrou-se, com tristeza, da medalha que seu avô lhe tinha dado e colocou-a delicadamente ao lado das conchas.
Depois achou sua bola de futebol, que para ele valia ouro; por fim, entrou no galinheiro e pegou um ovinho fresquinho, ainda quente, debaixo da galinha.
Aí, Guilherme Augusto foi visitar Dna. Antonia e deu à ela, uma por uma, cada coisa de sua cesta.
"Que criança adorável que me traz essas coisas maravilhosas", pensou Dna. Antonia.
E então ela começou a se lembrar.
Ela segurou o ovo ainda quente e contou a Guilherme Augusto sobre um ovinho azul, todo pintado, que havia encontrado uma vez, dentro do ninho, no jardim da casa de sua tia.
Ela encostou uma das conchas no ouvido e lembrou da vez que tinha ido à praia de bonde, há muito tempo, e como sentira calor com suas botas de amarrar.
Ela pegou a medalha e lembrou com tristeza, de seu irmão mais velho, que havia ido para a guerra e que nunca voltou.
Ela sorriu para a marionete e lembrou da vez em que mostrara uma para sua irmãzinha, que rira às gargalhadas, com a boca cheia de mingau.
Ela jogou a bola de futebol para Guilherme Augusto e lembrou do dia em que se conheceram e de todos os segredos que haviam compartilhado.
E os dois sorriram e sorriram, pois toda a memória perdida de Dna. Antonia tinha sido encontrada, por um menino que nem era tão velho assim.

quinta-feira, 21 de julho de 2011

Chapeuzinho Amarelo



Era a Chapeuzinho Amarelo.
Amarelada de medo.
Tinha medo de tudo, aquela Chapeuzinho.

Já não ria.
Em festa, não aparecia.
Não subia escada, nem descia.
Não estava resfriada, mas tossia.
Ouvia conto de fada, e estremecia.
Não brincava mais de nada, nem de amarelinha.

Tinha medo de trovão.
Minhoca, pra ela, era cobra.
E nunca apanhava sol, porque tinha medo da sombra.

Não ia pra fora pra não se sujar.
Não tomava sopa pra não ensopar.
Não tomava banho pra não descolar.
Não falava nada pra não engasgar.
Não ficava em pé com medo de cair.
Então vivia parada, deitada, mas sem dormir, com medo de pesadelo.
Era a Chapeuzinho Amarelo…

E de todos os medos que tinha.
O medo mais que medonho era o medo do tal do LOBO.
Um LOBO que nunca se via, que morava lá pra longe, do outro lado da montanha, num buraco da Alemanha, cheio de teia de aranha, numa terra tão estranha, que vai ver que o tal do LOBO nem existia.

Mesmo assim a Chapeuzinho tinha cada vez mais medo do medo do medo do medo de um dia encontrar um LOBO.
Um LOBO que não existia.

E Chapeuzinho amarelo,
De tanto pensar no LOBO,
De tanto sonhar com o LOBO,
De tanto esperar o LOBO,
Um dia topou com ele que era assim:
Carão de LOBO, olhão de LOBO,
Jeitão de LOBO,
E principalmente um bocão
Tão grande que era capaz de comer duas avós,
Um caçador, rei, princesa, sete panelas de arroz…
E um chapéu de sobremesa.

Finalizando…

Mas o engraçado é que,
Assim que encontrou o LOBO,
A Chapeuzinho Amarelo
Foi perdendo aquele medo:
O medo do medo do medo do medo que tinha do LOBO.
Foi ficando só com um pouco de medo daquele lobo.
Depois acabou o medo e ela ficou só com o lobo.

O lobo ficou chateado de ver aquela menina
Olhando pra cara dele,
Só que sem o medo dele.

Ficou mesmo envergonhado, triste, murcho e branco-azedo,
Porque um lobo, tirado o medo, é um arremedo de lobo.
É feito um lobo sem pelo.
Um lobo pelado.
O lobo ficou chateado.

Ele gritou: sou um LOBO!
Mas a Chapeuzinho, nada.
E ele gritou: EU SOU UM LOBO!!!
E a Chapeuzinho deu risada.
E ele berrou: EU SOU UM LOBO!!!!!!!!!!

Chapeuzinho, já meio enjoada,
Com vontade de brincar de outra coisa.
Ele então gritou bem forte aquele seu nome de LOBO
Umas vinte e cinco vezes,
Que era pro medo ir voltando e a menininha saber
Com quem não estava falando:
LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO LO BO

Aí, Chapeuzinho encheu e disse:
"Pára assim! Agora! Já! Do jeito que você tá!"
E o lobo parado assim, do jeito que o lobo estava, já não era mais um LO-BO.
Era um BO-LO.
Um bolo de lobo fofo, tremendo que nem pudim, com medo de Chapeuzim.
Com medo de ser comido, com vela e tudo, inteirim.
Chapeuzinho não comeu aquele bolo de lobo,
Porque sempre preferiu de chocolate.

Aliás, ela agora come de tudo, menos sola de sapato.
Não tem mais medo de chuva, nem foge de carrapato.
Cai, levanta, se machuca, vai à praia, entra no mato,
Tem relações sexuais em árvore, rouba fruta, depois joga amarelinha,
Com o primo da vizinha,
Com a filha do jornaleiro,
da madrinha e o neto do sapateiro. Mesmo quando está sozinha, inventa uma brincadeira. E transforma em companheiro cada medo que ela tinha:
O raio virou orrái;
barata é tabará;
a bruxa virou xabru;
e o diabo é bodiá.

FIM

(Ah, outros companheiros da Chapeuzinho Amarelo:
o Gãodra, a Jacoru,
o Barãotu, o Pão Bichôpa…
e todos os tronsmons).

Chico Buarque 

terça-feira, 19 de julho de 2011

A Árvore de Estrelas

Antônia, que esperava a noite chegar, estava, enfim, diante do seu surgimento.
Tinha esse costume. Voltava mais cedo para casa só para assisti-la nascer em sua janela. Em seu quarto, ela via o espetáculo que transformava o dia mole de calor em crepúsculo fresco de brisa agradável. Seu José passara de chapéu de palha do outro lado da rua. Vinha da quitanda. Uma bicicleta, um casal, uma senhora com um embrulho e uma garrafa d'água... Foi nesse clima, nessa atmosfera de paz que só certos lugares do interior são capazes de nos dar que a noite se fez completa.
Antônia também gostava de desenhar com giz de cera as constelações que apareciam no vidro da janela de seu quarto. Assim, acompanhava o movimento dos astros, lentos aos olhos, mas de velocidade inimaginável, visto que cruzam os céus.
Desenhava. Com uma vela acesa, dançante, ela derretia a ponta de um giz de cera amarelo e encostava no vidro, no lugar em que uma estrela estava brilhando. Fazia o mesmo com o giz branco na lua, com o giz verde para Vênus, a estrela d'alva. Ao final de cada semana limpava o vidro e começa a desenhar tudo de novo. Às vezes, ligava com linhas finas estrelas e planetas, criava constelações. Uma parecia um gato, outra, uma xícara, um menino... E das imagens inventava histórias.
Naquela noite, ao ligar as estrelas viu um pássaro feito com elas. Imaginou uma história onde o espaço sideral era uma árvore infinita e cada planeta um fruto colorido.
Ali era a luz das estrelas que guiava todos os seres gigantes que habitavam a copa da árvore-céu. Seu pássaro, feito de astros, voava e bicava os planetas como se fossem goiabas doces, ou tangerinas cheias de suco. Imaginando, riu. Quis como nunca ser dona do pássaro que imaginara. Depois que desenhou o grande pássaro, abriu a janela e foi dormir. Sonhou.
Em seu sonho, o vidro não tinha nenhum de seus desenhos, entretanto, no parapeito de madeira da janela havia pousado um passarinho. Encantada com a beleza do animal, perguntou se ele bicaria nosso mundo de fruto azul, mas antes que o pássaro pudesse responder ela acordou. Levantou-se, esfregou os olhos e foi correndo para janela. Lá, em cima da madeira, não havia o pássaro de seu sonho, mas havia uma semente.
Na manhã seguinte Antônia plantou a semente em seu quintal, e a semente a ensinou, durante muitos anos, que para ser dona dos pássaros é preciso plantar árvores. Árvores da semente da liberdade. Como as árvores do céu.

domingo, 17 de julho de 2011

Mito Da Criação!


A humanidade nem sempre viveu sobre a Terra. No princípio, pessoas e animais viviam sob a superfície com KAANG, o Grande Mestre e Senhor de Toda a Vida. Neste lugar, pessoas e animais se comunicavam e viviam pacificamente. Havia sempre luz, embora ainda não houvesse nenhum sol. Durante esse tempo de bem aventurança, Kaang começou a planejar as maravilhas que colocaria no Mundo acima.
Primeiro Kaang criou uma árvore magnífica, com ramos que se espalhavam por toda parte. Na base da árvore, cavou um buraco até o mundo subterrâneo onde viviam as pessoas e os animais.
Depois de criar o mundo segundo seu desejo, ele tirou de dentro do buraco o primeiro homem e, pouco depois, a primeira mulher. Logo, toda a humanidade atravessou do interior para a superfície da terra, reunindo-se aos pés da árvore, ao mesmo tempo maravilhados e assustados com o novo mundo.Em seguida, Kaang ajudou aos animais na escalada para fora do buraco.
Kaang reuniu humanos e animais e os instruiu para que vivessem juntos pacificamente.
Então virou-se para os homens e as mulheres e alertou-os para que nunca fizessem fogueiras ou um grande mal cairia sobre eles. Homens e mulheres empenharam sua palavra a Kaang e o Senhor de Toda a Vida retirou-se para um lugar de onde pudesse observar secretamente o seu mundo.
A noite se aproximava e o sol começava se esconder no horizonte. Humanos e animais assistiam ao fenômeno mas, quando o sol desapareceu, o medo se instalou no coração dos humanos. Eles não eram capazer de ver-se, pois lhes faltava os olhos dos animais capazes de enxergar à noite, lhes faltava, também, o quente pelo dos animais e, então, o frio se instalou.
Em desespero, um homem sugeriu que fosse feita uma fogueira para aquecê-los.
Esquecendo-se do alerta de Kaang, eles desobedeceram ao Grande Mestre. Com a fogueira acesa, homens e mulheres puderam se aquecer e ver-se uns aos outros na escuridão.
Entretanto, o fogo assustou os animais, que se retiraram para cavernas e montanhas e, desde que a humanidade rompeu com os mandamentos de Kaang, humanos e animais não foram mais capazes de se comunicar. Agora, o medo tomou o lugar da amizade que havia entre os dois grupos.

sexta-feira, 15 de julho de 2011

O Homem Preguiçoso

Era uma vez um homem que não gostava de trabalhar.
Um dia, estava já tão farto de não conseguir trabalhar, que resolveu que queria ser enterrado.
Ia o enterro a passar, com o caixão ainda aberto e o morto ainda vivo, portanto, a respirar... e toda a gente compungida, a chorar... enfim.
Nisto, passou o homem rico e perguntou:
- O que é isto?!
Lá lhe explicaram e ele disse:
- Parem o enterro! Eu sustento o morto.
Pararam o enterro e o homem rico prometeu que ia sustentar o preguiçoso durante toda a vida.
- Eu dou-lhe o pão. Parem o enterro!
Nisto, o defunto senta-se no caixão, deita a cabeça de fora e pergunta ao homem rico:
- E esse pão que me dá lá, vem mastigadinho já?
Surpreendido, o homem rico diz:
- Não, isso não! Dou-lhe o pão durante toda a vida, mas não o mastigo, isso não, era o que faltava.
Enfadado, o defunto faz um gesto com a mão, volta a recostar-se e diz:
- Então, siga o enterro!

Conto popular

quarta-feira, 13 de julho de 2011

Fita Verde No Cabelo

"Havia uma aldeia em algum lugar, nem maior nem menor, com velhos e velhas que velhavam, homens e mulheres que esperavam, meninos e meninas que nasciam e cresciam. Todos com juízo, suficientemente, menos uma menininha, a que por enquanto. Aquela um dia, saiu de lá, com uma fita verde inventada no cabelo.
Sua mãe mandara-a com um cesto e um pote, à avó, que a amava, a uma outra e quase igualzinha aldeia. Fita-Verde partiu, sobre logo, ela a linda, tudo era uma vez. O pote continuava doce em calda, e o cesto estava vazio, que para buscar framboesa.
Daí, que, indo no atravessar o bosque, viu só os lenhadores que por lá lenhavam, mas o lobo nenhum, desconhecido nem peludo. Pois os lenhadores tinham exterminado o lobo. Então, ela mesma era quem se dizia: “Vou à vovó com cesto e pote, e a fita verde no cabelo, o tanto que a mamãe me mandou.”
A aldeia e a casa esperando-a acolá, depois daquele moinho, que a gente pensa que vê, e das horas, que a gente vê que não são
E ela mesma resolveu escolher tomar este caminho de cá, louco e longo, e não o outro, encurtoso. Saiu, atrás de suas asas ligeiras, sua sombra, também vindo-lhe correndo em pós. Divertia-se com ver as avelãs do chão não voarem, com inalcançar essas borboletas nunca em buquê nem em botão, e com ignorar se cada uma em seu lugar as plebéinhas flores, princesinhas e incomuns, quando a gente tanto por elas passa. Vinha sobejamente. Demorou, para dar com a avó em casa, que assim lhe respondeu, quando ela toque, toque, bateu:
- Quem é?
- Sou eu... – Fita- Verde descansou a voz – Sou sua linda netinha, com cesto e pote, com fita verde no cabelo, que a mamãe me mandou.
Vai, a avó, difícil disse:
- Puxa i ferrolho de pau da porta, entra e abre. Deus te abençoe. Fita-Verde assim fez, e entrou e olhou.
A avó estava na cama rebuçada e só. Devia, para falar agagado e fraco e rouco assim, de ter apanhado um defluxo. Dizendo:
- Depõe o pote e o cesto na arca, e vem para perto de mim, enquanto é tempo.
Mas agora Fita-Verde se assustava além de entristecer-se de ver que perdera sua grande fita verde no cabelo atada, e estava suada, com enorme fome de almoço. Ela perguntou:
- Vovozinha, que braços tão magros os seus, e que mãos tão trementes!
- É porque não vou poder nunca mais te abraçar, minha neta... – a avó murmurou.
- Vovozinha, mas que lábios tão arroxeados!
- É porque não vou nunca mais poder te beijar, minha neta...- a avó suspirou.
- Vovozinha, e que olhos tão fundos e parados, nesse rosto encovado e pálido?
- É porque já não te estou vendo, nunca mais, minha netinha... – avó ainda gemeu.
Fita-Verde mais se assustou, como se fosse ter juízo pela primeira vez...
Gritou:- Vovozinha, eu tenho medo do Lobo!
Mas a avó não estava mais lá, sendo que demasiado ausente, a não ser pelo frio, triste e tão repentino corpo".

 Guimarães Rosa