segunda-feira, 30 de maio de 2011

A Gata Borralheira


          Era uma vez um homem viúvo que tinha uma filha bonita e boa. Moravam vizinhos a uma viúva, também com uma filha, má e feia. A vizinha vivia agradando a moça vizinha, dando-lhe presentes e fazendo carinhos. A moça ficou muito amiga da viúva e foi pedir ao pai que se casasse com ela, para que todos morassem juntos. O pai tinha negócios que o faziam viajar sempre e não aceitou logo a proposta da filha:
- Minha filha, nós vivemos bem e é melhor ficar como estamos.
A moça, porém, tanto insistiu que o pai propôs casamento à viúva e casou-se. Depois teve a infelicidade de morrer e a moça ficou órfã, entregue à madrasta. Ela maltratava-a por demasia, dando-lhe o serviço pesado da casa, varrer, lavar roupa, pastorear, ir buscar lenha. A outra moça foi deixando de ajudar e a pobre órfã acabou sendo a cozinheira, lavando tudo e servindo como criada. Como passava a maior parte do dia perto do fogão, a madrasta e a filha chamavam-na de Gata Borralheira, dando a entender que ela era preguiçosa e não se apartava do borralho.
Dos bens deixados por seu pai só lhe restava uma vaca, conduzida uma vez por outra ao campo para pastar. A vaca era encantada. Como a moça ficava cada vez mais bonita e a filha da viúva cada vez mais feia, tomou-se a mãe de um grande ódio pela Gata Borralheira, aumentando a tarefa e não lhe dando trégua no trabalho.
Uma vez, para humilhar a Gata Borralheira, a velha lhe entregou uma avantajada porção de linho, dizendo que o trouxesse fiado e limpo, e não lhe deu pão para comer, mandando-a para o campo. A Gata Borralheira, quando chegou com sua vaquinha no campo, começou a chorar e lastimar-se de sua sorte. A vaca, então, falou, dizendo:
- Não te enfades. Põe o linho aqui nos meus cornos.
A moça amarrou o linho nos chifres da vaca e logo ficou tudo fiado, limpo e dobrado. Vindo a fome, a vaca mandou que lhe tirasse um chifre e comesse o que estava lá dentro. Encontrou saborosos petiscos. Voltou para casa e entregou o linho, fiado, limpo, dobrado, e a madrasta admirou-se de vê-la com o semblante risonho, mostrando ter comido e bebido bem.
Na amanhã seguinte, a madrasta lhe deu porção dobrada de linho e nenhum pedaço de pão. Novamente a vaca fiou, dobrou e limpou o linho, dando alimentação boa à pobre Gata Borralheira.
Outra vez a madrasta ficou espantada de ver a tarefa concluir-se daquela forma. Desconfiada de que alguém ajudava a órfã, mandou a filha espionar o que fazia a Gata Borralheira no campo. Foi a moça feia e, escondendo-se pó trás de uma moita, tudo viu e contou à mãe. Esta então resolveu matar a vaquinha, não atendendo ao pranto da Gata Borralheira, que assim perdia sua única amiga.
Foi ao curral despedir-se da vaca e esta disse:
- Não chores, minha filha. Não te preocupes por mim. Pede que te dêem as minhas tripas. Vai lavá-las ao rio e delas sairá uma varinha de condão. Pede o que quiseres à varinha.
A Gata Borralheira pediu que a madrasta lhe desse as tripas da vaca. A velha, de mau-humor, respondeu:
- Pois que fiques com essas porcarias, mas vai lavá-las ao rio, não quero imundícies em casa.
A Gata Borralheira foi lavar as tripas, chorando com saudades da vaquinha. De uma das tripas escapo-se uma varinha de prata caindo no rio, se a moça não segurasse bem depressa. Escondeu-a e voltou para casa mais consolada.
O rei dava, naqueles dias, três noites de festas, para que o príncipe escolhesse esposa. As moças ficaram todas alvoroçadas com a notícia e prepararam os vestidos mais bonitos e ricos. A filha da viúva quase não comia, arranjando roupa e discutindo com a mãe como havia de apresentar-se. A Gata Borralheira, lá perto do fogão, ouvia calada e suspirava com vontade de ir também as festas. Chegou a noite do primeiro baile e a viúva com a filha vestiram-se, ajudadas pela Gata Borralheira, e tomaram uma carruagem, indo para o palácio do rei. Antes de ir-se, disse a filha da viúva:
- Ah! Gata Borralheira, se tivesses um vestido limpo poderias ir para a frente do palácio ver a chegada dos convidados.
- Quem sou eu para ver as festas! – respondeu a moça.
Quando se foram, a Gata Borralheira meteu-se na cozinha, pegou a varinha de condão e disse:
- Minha varinha de condão, pelo poder que Deus te deu, dá-me um vestido da cor da lua, uma carruagem decente, com criados de estribo e cavalos brancos.
Quando acabou de falar, encontrou-se vestida com uma vestimenta de prata, brilhantes como as estrelas. Uma carruagem parou à porta, puxada por duas parelhas de cavalos alvos, e dois criados cobertos de seda, esperando. A Gata Borralheira tomou a carruagem e foi para a festa, linda como os amores.
Quando lá chegou e entrou no salão, toda gente disse que chegara a moça mais bonita e bem vestida da festa. O príncipe foi logo falar com ela e não deixou que outro convidado dançasse com a Gata Borralheira, fora ele mesmo. A moça dançou muito, sendo levada pelo príncipe para refrescar-se, muito olhada pelas senhoras e raparigas da corte. Perto da meia-noite, a Gata Borralheira saiu a capucha, tomou a carruagem e correu para casa. Tirou a roupa, que desapareceu, assim como a carruagem, cavalos e criados. Ficou suja e triste como sempre e foi abrir a porta para a viúva e a filha quando estas voltaram, cansadas e falando da moça bonita que deslumbrara a festa.
- Ah! Gata Borralheira, se estivesses lá para ver a moça bonita e bem vestida! O príncipe ficou apaixonado, só dançava com ela e a procurou por todos os cantos quando ela desapareceu.
Na segunda noite, logo que a viúva e a filha se foram, a Gata Borralheira pediu a varinha de condão um vestido cor do sol, uma carruagem de ouro e cavalos e criados dourados. Tudo apareceu imediatamente e a moça compareceu no baile, ainda mais bonita e admirada que na noite passada. O príncipe não saiu de perto dela, e falava-se que a noiva estava encontrada e que o casamento seria próximo.
Perto da meia-noite, a Gata Borralheira escapou por uma porta e ganhou o pátio, tomando a carruagem. Quando o príncipe trouxe o copo com água que ela pedira, para afasta-lo de perto, não mais a viu e andou como uma alma penada procurando-a por toda a parte, não mais dançando nem fazendo caso das outras moças.
Em casa, a Gata Borralheira ficou sem vestido, carro, cavalos e criados, recebendo as amas, que estavam ainda mais excitadas e falando sobre a moça do vestido cor de ouro.
No terceiro baile, a Gata Borralheira compareceu com um vestido cor das estrelas, indo numa carruagem de vidro, puxadas por cavalos pretos, com criados vestidos de veludo. Foi a maior beleza da festa e só tinham olhos para ela. O príncipe mandou soldados guardarem as portas do palácio para que a moça não desaparecesse como das outras noites.
Ao aproximar-se a meia-noite, a Gata Borralheira passou de sala em sala até que chegou a uma varanda e daí correu para a carruagem. O príncipe que a trazia de olho, correu atrás dela e a moça, tomando o carro na pressa em que ia, perdeu um sapatinho, mas sempre desapareceu.
A velha e a filha só falavam no caso da festa e diziam que o príncipe estava doente de amor, desesperado por não encontrar a moça misteriosa.
Lembrou-se então de um remédio. Mandou um camareiro com o sapatinho perdido por toda cidade, experimentando-o no pé das moças. Aquela que o colocasse bem, nem apertado nem frouxo, casaria com o filho do rei. O camareiro andou pó todas as casas, calçando o sapatinho, mas não encontrou uma só moça que pudesse andar com ele no pé. Por fim, veio ter a casa da viúva. A filha por mais que fizesse, não calçou a sapatinho. O camareiro perguntou se não havia outra moça na casa.
- Há uma criada, a Gata Borralheira, com os pés grandes e sujos.
- Chame a criada, porque todas as moças devem experimentar este sapato.
Chamaram a Gata Borralheira, que veio enrolada em seu avental meio sujo. O camareiro deu-lhe o sapatinho e a moça calçou-o sem a menor dificuldade, andando pela sala. Depois tirou o outro sapato, irmão do que se havia perdido, e calçou-o também, e abrindo o avental, mostrou-se com o vestido cor das estrelas, como estivera no terceiro baile. O camareiro levou-a na carruagem para o palácio, onde o casamento se realizou sem perda de tempo.
A viúva e a filha morreram de raiva.

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