terça-feira, 26 de abril de 2011

A Raposa E O Urso

O grande urso gabava-se de ser muito esperto. Ele convenceu todos os animais da floresta que, só ele e mais ninguém, tinha o direito de ter o título de animal mais esperto do mundo. A raposa, que sempre teve essa fama, quis acabar com essa história do urso. Muita matreira ela convenceu o grandalhão a comprarem juntos um pote de manteiga. De posse da iguaria, resolveram guardá-la no oco de uma grande árvore. E a raposa falou:
- Bom, amigo urso, vamos descansar e depois poderemos saborear essa delícia!
O urso concordou e os dois foram se deitar. Quando o urso já dormia a sono solto, a raposa se levantou, sacudiu-se e correu ao oco da árvore. Comeu toda a sua parte da manteiga e voltou para se deitar. Mas quando ela chegou, o urso abriu os olhos e perguntou:
- Onde você foi?
E a espertalhona respondeu:
- Amigo, você não imagina o sonho que eu tive: sonhei que fui convidada para ir a uma grande festa de batizado! E o sonho era tão real que eu levantei e foi correndo para a festa!
- E você encontrou a festa? - quis saber o urso.
- Que nada! Mas eu sei o nome da criança!
- E qual é?
- O menino chama: “Comi-a-minha-parte”! Não é estranho?
- Muito!
- Mas é coisa de sonho! Vamos dormir que é melhor!
Então eles se deitaram e voltaram a dormir. Em pouco tempo a raposa se levantou, sacudiu-se de novo e correu ao oco da árvore. Comeu um pedaço da parte do dorminhoco e voltou para se deitar. Mas quando ela chegou, o urso abriu os olhos novamente e perguntou:
- Você saiu de novo? Pra onde você foi?
E a matreira respondeu:
- Amigo, tive o sonho de novo! Fui convidada para ir a outra uma festa de batizado!
E o sonho, igual ao outro, era tão real que eu levantei e foi correndo para a festa!
- E dessa vez você encontrou a festa? - quis saber o urso.
- Que nada! Mas, como da outra vez, eu também descobri o nome da criança!
- E qual é?
- O menino chama: “Comi-um-pedaço”! Não é estranho?
- Muito!
- Mas é coisa de sonho! Vamos dormir que é melhor!
Então eles se deitaram e voltaram a dormir. O urso demorou para dormir. Pensava nos estranhos nomes das crianças dos sonhos da raposa. Mas, embalado por esses pensamentos, logo caiu num sono profundo. Em pouco tempo a raposa se levantou, sacudiu-se mais uma vez e correu ao oco da árvore. Comeu quase toda a manteiga do pote deixando só um pouquinho. Tirou esse pequeno pedaço, guardou em outro lugar e deixou o pote limpo. A esperta voltou correndo para se deitar. Mas quando ela chegou, o urso abriu mais uma vez os olhos e perguntou:
- Você não tem sossego, amiga? Saiu de novo? Pra onde você foi dessa vez?
E a danada respondeu:
- Amigo, não aguento mais esses sonhos que me atormentam!
E o urso quis saber:
- Você sonhou de novo? Foi com uma festa?
E a esperta raposa respondeu fingindo desespero:
- Sonhei, amigo! Sonhei de novo que fui novamente convidada para ir a uma outra festa de batizado! E o sonho, igual aos outros, era tão real que eu levantei e foi correndo para a festa!
- Mas dessa vez você encontrou a festa, né?
- Que nada! Mas, como das outras vezes, eu também descobri o nome da criança!
- E qual é?
- É o nome mais estranho todos! O menino chama: “Guardei- um-restinho”! Não é esquisito?
- Muito!
- Mas só pode ser coisa de sonho! Vamos dormir que é melhor!
Então eles se deitaram e voltaram a dormir. Dessa vez os dois dormiram a sono solto. Quando acordaram a raposa propôs:
- Amigo urso, vamos comer nossa manteiga?
         O urso lambeu os beiços:
         - Vamos!
Os dois foram até ao oco da árvore e quando lá chegaram encontraram o pote vazio. Limpo como se tivesse sido lavado. Sem um pedacinho de manteiga. O urso ficou espantado:
         - O que aconteceu com a nossa manteiga, amiga?
         A raposa, fingindo indignação, começou a acusar o urso:
- Será mesmo que o amigo não sabe? Enquanto eu estava sonhando com as festas de batizado, será que o amigo não veio aqui e comeu toda a manteiga?
- Eu, amiga?
- O senhor, sim!
- Mas eu estava dormindo!
- É! Mas toda às vezes que eu voltei do meu desespero... da minha procura pelas festas que apareciam nos meus sonhos... o amigo estava com os olhos bem abertos! E olho aberto não é olho de quem está dormindo!
O urso tentava se explicar:
- Mas não fui eu, amiga!!
         E a raposa foi definitiva:
- Eu quero acreditar no senhor, mas só tem um jeito da gente descobrir a verdade!
- Qual é?
- O senhor vai se deitar no sol quente por duas horas!
- Mas como isso vai provar que eu não comi a manteiga?
- Ah... o sol é um grande juiz! Ele vai esquentar a sua pança e se a manteiga estiver lá dentro vai sair! Se no final dessas duas horas a sua boca e seus bigodes estiverem sujos de manteiga foi o senhor o ladrão! Se estiver tudo limpo não foi o senhor e teremos que procurar o bandido! O amigo aceita?
O urso, que tinha a certeza que não tinha comido a manteiga, aceitou imediatamente. Os dois foram para um descampado. O sol estava a pino, o grandalhão se deitou e a raposa disse:
         - Amigo, vamos esperar as duas horas pra gente ter a certeza que não foi você! E pra não termos nenhuma dúvida eu também vou deitar!
- Pra quê, amiga?
- Para o senhor não ter dúvida que não fui eu que roubei!
A raposa deitou. O sol estava muito gostoso. Com aquele calorzinho que dava uma moleza! A raposa sabia que logo o urso iria dormir. E não demorou muito para o grandalhão cair num sono profundo. Com muito cuidado, a danada foi até o lugar onde tinha guardado o restinho de manteiga. Voltou e lambuzou os bigodes e a boca do urso. Depois deitou e ficou esperando.
Passaram as duas horas e quando o urso abriu os olhos viu a raposa com uma cara zangada.
         - Então, senhor urso, não foi o senhor que comeu toda a manteiga?
         O grandalhão lambeu os beiços e sentiu o gosto da manteiga que lambuzava todo o seu focinho. E a raposa continuou fingindo estar indignada:
- O senhor não tem vergonha? Como pode fazer isso com uma amiga? E agora fiquei sem a minha manteiga! Isso é um absurdo!
O urso, sem entender nada, ficou muito envergonhado. Comprou um novo pote de manteiga e deu para a “amiga”. E a raposa mostrou quem realmente merecia a fama de esperta.

Conto popular recontado por Augusto Pessôa